quarta-feira, 31 de março de 2010

O Homem dos Tamancos (Ranhados)

Houve numa aldeia de Portugal, em tempos idos, num homem comerciante que, frequentes vezes, se ausentava do lar para ir em cata da sua vida. Ora nessas jornadas ele tinha de passar à beira de umas «alminhas» que havia na margem do caminho. As «alminhas» estavam pintadas num nicho de pedra e. Como sempre, figurava ali, também, na sua figura esguia e rubra, o diabo.



O homem ao passar, benzia-se rezava um «padre-nosso» e deitava numa caixa duas moedas para as «alminhas» e uma moeda para o diabo.



Aconteceu, uma vez, comer ovos cozidos numa estalagem da cidade e, querendo pagá-los, ver-se sem dinheiro. O estalajadeiro indignado resolveu levá-lo ao tribunal pedindo uma grande indemnização pelos ovos, pois estes, em sua opinião, dariam frangas, as frangas seriam galinhas, as galinhas poriam ovos que por certo, haviam de dar novas galinhas… A indemnização era avultada e o homem, pobre demais para pagar.



Ora, no dia em que teve que responder, passou mais uma vez aquele caminho, à beira das «alminhas». Sentado junto do nicho, estava um homem esguio e rubro como o demónio da pintura, mas envolto num vasto capote serrano, calçando compridos e pesados tamancos que faziam lembrar duas canoas do rio.



- Olá! Que tens? – Perguntou o homem dos tamancos numa voz metálica.



O comerciante contou-lhe dos seus infortúnios e da injustiça do hospedeiro. O encapotado disse-lhe que não se assusta-se, que o iria defender, que esperasse no tribunal. O homem agradeceu e apresentou-se à justiça.



Chegaram as horas da audiência e o advogado do réu não aparecia.



Impacientava-se o juiz com a espera, o estalajadeiro com a demora, e todo o público com tão longa expectativa. Por fim passado muito tempo, quando o juiz estava para suspender a audiência, eis que entra no salão do tribunal o defensor, arrastando seus pesados tamancos, envolto no capote serrano.



- Porque tardaste tanto senhor? – Perguntou o magistrado – senhor doutor juiz, volveu o homem dos tamancos, como sou lavrador, estive a cozer batatas para semear. – A cozer batatas para semear? (inquiriu o juiz espantado) nunca tal ouvi em minha vida, nem por certo os senhores jurados! Como pode ser isso?



Então o homem dos tamancos volveu, à queima-roupa:



- Do mesmo modo, senhor juiz, que os ovos cozidos podem dar galinhas…



Não foi preciso mais. A defesa estava feita e com tanta evidência que o homem mercador regressou em paz à sua aldeia.

Sem comentários:

Enviar um comentário